Arquivo do mês: abril 2013

Um bem-te-vi pousa na caneleira

Um bem-te-vi pousa na caneleira.

Quisera tu poder dizer o que sentes,
mas, vazio de sentidos,
limita-te a ver a ave pousada
e a ouvir seus gritos
que não decifras.

Teu silêncio abre caminho
entre a luz;
Refletido pelas folhas,
pequenos sóis gritando “bem-te-vi”.

Teu silêncio é denso e sem sentido
e num átimo a ave o percebe
e alça voo até outro paradeiro.

Ficam as folhas e seus sóis agora quietos
acompanhando teu silêncio.

Pedro Luiz Da Cas Viegas
Gravataí, 12/01-28/04/ 2013.

A garganta de Mengcheng

Minha nova casa
na garganta de Mengcheng
onde velhas árvores
e salgueiros ainda resistem.
Quem nela vai morar,
quando eu me for?
Ah, preocupações vãs
com coisas tão passageiras!

-Wang Wei

Visita

Ao sul de meu rancho, ao norte,
por toda parte
chuva de primavera.
Dia após dia eu só enxergo
o voo das gaivotas.
Trilhas repletas de flores,
por que varrê-las?
E para vós, abro enfim
a porta de junco.
O mercado é longe,
e para o almoço
não tenho muita escolha.
Quanto à bebida,
a casa é pobre
e só posso vos oferecer
vinho rústico.
E se convidássemos meu vizinho
para se juntar a nós?
Vou até a cerca chamá-lo;
juntos acabaremos
com esse jarro de vinho.

– Du Fu

Levíssimo incenso

Não estou tranquilo. Passa o dia irremediavel.
Apesar dessa doçura, apesar dessa leveza
envolvente em tudo, ainda assim
não estou tranquilo.

Essa leveza de coisa que evapora. Essa doçura
dissolvida no silêncio.
Não estou tranquilo.

-É a vida que docemente se esvai como levíssimo incenso.

Pedro Luiz Da Cas Viegas
Gravataí, 14/03/2013 – 17/04/2013

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Macerófagos

Enquanto maceram-se os alimentos
Vão se ruminando os pensamentos
As azias que corroem
As idéias que corrompem
Regurgitam-se trituradas
As mais preciosas esperanças

II

Cavalo que sou
Macerei do melhor
E no fino manto relvado
Esterquei minhas abjeções

Asno que sou
Ponderei mais que o devido
E por vezes descobri tardiamente
O erro do caminho escolhido

III

Macerado, deglutido
Dia a dia ingerido
À mesa do tempo que passa
Repleta, farta dos eventos servidos

Macerófagos, todos juntos macerando
Revirando, remoendo, desfazendo a solidez
Devagar se esvai o sumo
Devagar se encontra o rumo

Macerófagos macerantes
Mastigam, trituram
Músculos, ossos
Folhas, fibras e sementes

Ruminam dúvidas, certezas e temores
Dilaceram as próprias esperanças
Num macerar sem sabores

Pedro Luiz Da Cas Viegas
Porto Alegre. Junho, 2001.

Você acaba de chegar do lugar onde nasci

Você que acaba de chegar
do lugar onde nasci:
deve saber de tudo
o que acontece.
Por favor,
antes de partir,
viu se na frente da janela com a cortina de seda
a pequena ameixeira de inverno
já estava florida?

-Wang Wei