Arquivo do mês: junho 2012

Uma gota

Aromas, cantigas de roda
Sorrisos dispersos no meio
Claves de sois poentes
E luas cheias de tudo.

Chakras expostos na areia
E um coração de cigarra.
Uma gota de azul
Do azul desse céu

De incenso tão leve
De tão leve intenso
Quero provar ao fim do calor
E da luz deste dia

Para levar a um sonho.

Pedro Luiz Da Cas Viegas
Gravataí, 29/06/2012

Beba água

Beba muita água
Sais, solutos, eis que somos.
Dissolva a mágoa até a concentração
De um sorriso
De incisivos ou até cisos.
Ais precipitados nos tecidos
Serão levados no enxágue.
Beba água, muita água.
Somos sais, solutos
E um conjunto de atributos
De controle rigoroso.
Evite o sentimento indigesto;
Meça antes
A palavra e o gesto
E beba água,
Muita água.

Pedro Luiz Da Cas Viegas
Gravataí, 29-30/06/2012

Relíquias

Guardei o seu sorriso
No âmbar da memória.
Relíquia fóssil
No fundo da gaveta.
Retrato em sépia
Testemunho de outra era
E um pôr do sol
Secando uma rosa.

Pedro Luiz Da Cas Viegas
Gravataí, 24/06/2012

Tergiversos

Oh minha paixão…
Não há como ser épico.
Meus versos, tergiversos,
Falam do vento,
Canções sem acordes,
Moinhos e giros,
Pipas no alto
Catando azul.

E, nos céus de Cabul
Ou qualquer cidade,
Que a brisa guarde
O segredo da flor
Que guardei para ti.

Pedro Luiz Da Cas Viegas
Gravataí, 27/06/2012

Encontro

Brilham as caliandras na manhã pacífica.
A leve brisa não abala os insetos
Que procuram o doce néctar.
Fecho levemente os olhos ao sol
Para ver melhor você
Que me dá bom dia.
E então sorrimos
E cada um de nós
Segue sossegado
Seu caminho
De flor
Em flor.

Pedro Luiz Da Cas Viegas
Gravataí, 23/06/2012

Quero um beijo

Quero um beijo, ouça e prove
E sinta a cada passo:
O astrolábio e as estrelas,
As pegadas e os caminhos
Canibais de cada dia
Que consomem os andares
Nos conduzem
A destinos destilados no futuro.

As paredes do agora,
Pedra sobre pedra
-Poliedro-
Definitivamente se consomem
Em poemas não escritos.

Pedro Luiz Da Cas Viegas
Gravataí, 21/06/2012

Minha fraca eterna chama

Brilha em tudo que se foi e permanece sendo.
Meu corpo-alma é todo brilho ao sentir teu som.
Sinto o frio e sinto o sol e assim estou mais desperto
E sinto mais a vida que por muito pouco esqueço.

Mesmo enquanto falas sem que eu te ouça,
Mesmo assim tão surdo e cego sinto:
Estás aqui, não há mais nenhum além.
E mudo. E ainda mais emudecido permaneço.

E sofro alegria por saber ser pequena parte tua
Contemplando tua obra de horrores e belezas.
E por um momento sou eterno na certeza

De que me tocas pelo ar, pela chuva e pelo pó da terra nua.
De que me falas pelas vozes das caladas multidões.
E que me ouves e manténs a minha alma, minha fraca chama acesa.

Pedro Luiz Da Cas Viegas    
Porto Alegre, 30/11/2004

Noção de tu e você

Mal me quer e já desiste. Sequer testaste tentando.
Vago senso, sentir nada. Talvez de quando em quando.
Palavra por palavra, pensada, face parada, mudez.
Cala e grita, credo nas cruzes, mas que bela palidez.

Não passe mal, eu só peço, nem tenha assim tanto medo.
Me reza e me chora e quem sabe me critica, tua boa intenção.
Me jura e fere e cura, me estraçalha inda hoje, cedo, cedo.
Mas nem agora nem depois, quem sabe quando, coração.

Um momento, aguarde, aguarde. Já não tarda.
Talvez morra dentro em pouco. Fosca, parda.
Vejo era que finda. Percebendo, percebendo.

São meus olhos ou é tudo que já some consumido?
É agora, já percebe? Inda estará me ouvindo?
Oh sim, a senha, a senha. Eu já ia esquecendo.

Pedro Luiz Da Cas Viegas. Porto Alegre, 26/11/2004

Dentifrício

Espelho de fronte.
Semidesperto reflexo.
Escovejo dentes
Sem qualquer sorriso.
Cuspo na pia
O branco de espuma.
Frescor que escoa
Até a quietude do ralo.
Escovejo sorriso
E o sorriso escoa.
Frescor do sorriso espelhado.
Frescor do sorriso no ralo.

pedro viegas porto alegre 11/04/2005

Chá de jasmim IV

O bom sangue corre nas veias.
Receias o mal que não conheces.
As preces como mantras garantidos.
Terás sido a melhor das que não tive.

Ourives das peças mais consagradas,
Te agradas saber que nada sei.
Qual lei fala de ser comum.
Humano, vacum, o fim é o mesmo.

A esmo, tudo matamos, bichos e gentes.
Lamentes, chores choros ensaiados.
Traçados os planos, o dia seguinte.
Pedintes, miséria, falta de sorte.

Ser forte, subir e descer o caminho.
Teu destino, grafado no pó deste vento.
Cada momento, que seja o elo faltante.
Errante, partícula percorre a massa vazia.

O avançar da idade sepulta a vontade abortada.
Desperta o grito no estertor da agonia.
Submerge a ilha nas vagas do mar,
Derivar, indeciso, em meio, ao longo, ao fim.

Telhados escondem estes mecanismos.
Esfregar fuligens das pratas.
Polir, enganando o tempo que passa.

Devir, apenas o fim que principia,
Conteúdo pulsante de um estojo de ossos.
Estrutura, treliça armada, cimento, ferrugem.

Granular natureza, discreta, finita.
O circuito fechado revela
A função das paredes.

De joelho ao pé da estátua.
Uma gota pintada na ferida de gesso.
Gestos de pedra.

Arte da dor.
Não há chá
Sem a morte da flor.

Pedro Luiz Da Cas Viegas
Porto Alegre, 2002

Agora

Circulo em trânsito entretecido
Em diáspora plena de vício tenso.
Vejo amêndoas agridoces ao óleo
Do viço do seio farto
E Vênus ouvindo mar na concha,
Coaxos, martelos, velhos mantras.
A lacraia riscando a cambraia
E um pote cheio no decote pleno.
Há lua de nova luz,
Velha palidez na face do poeta
Que concebe um lampejo, um anjo, um fauno.
Quero um beijo, ouça e prove
E sinta a cada passo:
O astrolábio e as estrelas,
As pegadas e os caminhos
Canibais de cada dia
Que consomem os andares
Nos conduzem
A destinos destilados no futuro.
As paredes do agora,
Pedra sobre pedra
-Poliedro-
Definitivamente se consomem
Em poemas não escritos.

Pedro Luiz Da Cas Viegas
Gravataí, 22 de junho de 2012

Dança do cisne

Inelástica, inerente,
Inevitavelmente
Coeso ao centro do ato
No eterno átimo
De angular esforço,
Atrativamente
Orbitando no sistema
Cisma o cisne
Ensimesmado no confronto
Do oculto enfisema
Enquanto avançam nos seus cursos
Seres, deuses, astros,
Naves neste caldo cósmico,
Éter e poeira,
Pensamentos.

Pedro Luiz Da Cas Viegas
Gravataí, 13/06/2012

Reação

Seja o princípio
Ativo e perene
Absorvido no sistema.

Seja o sistema
Aflito e sereno
O contraste no seu corpo.

Sejam nossos corpos
Conteúdo e continente,
Reação e reagentes.

Amalgamados seremos.
O princípio transmutado,
O desejado equilíbrio.

Pedro LDC Viegas
Gravataí, 04/05/2012

Tua chama

Carnes em bocas ávidas,
Pétalas em água cálida,
Sumos de frutas grávidas,
Dragão sobre a pele pálida.
Suspenso em arco voltaico
Lanço palavras ao vácuo
E não me faço ouvir.
Apenas a Lua lê meus lábios
E permanece muda.
Fina seda plástica encobre tua pele
E a brisa não existe sem teu toque.
Pendem vitoriosos astros envelhecendo tua memória.
Louvada sejas enquanto brilhes em mim
E apague-se com o meu próprio olvido
Tua chama.

Pedro Luiz Da Cas Viegas
Porto Alegre, 16/06/2012

Meditativo

Queria ser centro e sou esquecido.
Sou centro onde queria estar incógnito.
Sirva-se. As frutas estão frescas, orvalhadas
da manhã.
Sumarentas doces frutas.
Doces e delicadas peles que te envolvem.
Serena assim serena a fitar o doce
lume da manhã
que se insinua.
Teu corpo delicado dentre a bruma.
Provemos do pomar
sobre a relva inda molhada.
Seus pés nus o que temer
na relva fresca e fina.
Venha entre estas alamedas
por onde vago e se
sozinho eu me perco.
É doce o rico sumo das
frutas do pomar.
Prove.
Tome de minha boca
o sumo dessa fruta.
Dividamos.
E sobre a relva esqueçamos
olhando o céu que nos protege,
sentindo a brisa que me traz teu cheiro.
Tu és presente.
Sinto presente para a vida.
Serei eu digno de que proves
dos pomares nos quais me perco?
Dos pomares que plantei na minha mente?

Pedro Viegas
Porto Alegre, Setembro 2001

Randomatizes

Azeite e vinagre de vinho velho…
Classe nitrato, bass reflex, aracnoide.
Detrito latifólio no chão da mata.
Flato neutro: parada para ouvir.

O dom de Brahma,
a rapsódia dos blastos.
Croma: divindade magnificada
na aberrância.

Tecla em lata,
batucada com lua
de catraca e batente.
E domo de ronda,
desopilo bronco desatado.

Segue teste adiante,
acuidade na hipótese
de blasfêmia,
gota aguda
no tapume do zimbório.

Caiu uma ultra anágua,
vejo vassoura,
som na calçada:
vendendo acelga,
vai bacuri,
Uiraquitã, vai!

Pedro Luiz Da Cas Viegas

Porto Alegre, 27 de outubro de 2004

Editado em 04 de setembro de 2023

Angra


Atomímica bombatômica
No deca serão fogos
Fogos de arte físsil
Nos céus de artifício
De cobalto e plutônio
Dos lixões das Angras
-Digas, povo, por que sangras?

Pedro Luiz Da Cas Viegas
30/06/02
(Edição de 03 de junho 2012)

Mimos em rimas


Mimos,
Meus mimos,
Mimos meus,
Quem me mima mais
É Deus,
Por permitir que eu viva
E aprenda a desmimar,
E quando for desmimado,
Novo monstro então criado,
Vou ensinar que o mimo
É util em versos que rimo
Por saber aproveitar
Punhaladas deste mundo
Que nada têm de mimosas
E fazem as rimas rançosas
De tanto mimar infecundo.

Pedro Viegas
Porto Alegre, 27/abril/2003

Lentes


Se ao mirado o infinito revela
Um rosário de eras que findas
Nos chegam a cansadas retinas
Como pontos num vazio que impera,

Que dizer destes olhos que miram
Desta terra, nada mais que um grão
De poeira, nebulosas que giram,
Pelo cristal desta lente, esta escuridão?

Destes olhos do mesmo pó oriundos
De distanciadas eras, momentos, segundos
A fluírem na luz, nestes mecanismos,
Destas janelas perplexas diante do abismo…

Pedro LDC Viegas
Porto Alegre, 6-8 de novembro de 2001

Multidão

Multidão

E então alguém diz
-O que vais fazer agora?
E outra voz responde
-Não sei para onde ir.
Sou muitos neste corpo só.

Pedro LDC Viegas
Porto Alegre, maio 2002

Via única

Via única

Não, não quero dormir
É como morrer inutilmente
Mente inútil adormecida
Com tanta vida latente
Vida latente
Leite de vida
Vida láctea
Tanto leite derramado
Vida, única via
E suas estrelas perdidas

Pedro Viegas
Porto Alegre, maio de 2002

Miopia

Vejo as flores da paineira
Como tela impressionista.
Um borrão desta janela;
Minha lente ilusionista.

Pintura que os meus olhos
Criam, assim, à distância
Ao transformarem beleza
Em colorida aberrância.

Transformo, pois, em poema
As distorções deste dia
Para não se tornar em pena
O peso desta miopia.

Porto Alegre, 03 de abril – 01 de junho de 2012